Brasao TCE TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO TOCANTINS
GABINETE DA 2ª RELATORIA

   

9. VOTO Nº 79/2021-RELT2

9.1. DA ADMISSIBILIDADE E DO PROCESSAMENTO

9.1.1. Para o regular conhecimento e processamento dos recursos no âmbito deste Sodalício, faz-se necessária a constatação dos pressupostos de admissibilidade, dentre eles, o cabimento da espécie recursal, a legitimidade, o interesse do recorrente e a tempestividade do recurso.

9.1.2. In casu, impõe elucidar que a modalidade de recurso utilizada se mostra adequada, pois em conformidade com o art. 46 da Lei Orgânica deste Tribunal e art. 228 do Regimento Interno (RITCE-TO). Em suma, a peça recursal preenche os requisitos de tempestividade e legitimidade, motivo pelo qual conheço do Recurso Ordinário.

9.2. DO MÉRITO

9.2.1. Compulsando os autos do processo nº 2896/2014, verifica-se que o Acórdão que rejeitou as contas do Fundo Municipal de Saúde de Darcinópolis, alusivas ao exercício de 2013, foi fundamentado nas seguintes irregularidades constatadas à época da apreciação, como já apontado no Relatório:

a) Ausência de Controle com gastos de combustíveis, bem como a não apresentação dos mesmos à equipe de auditoria para aferição da legitimidade do consumo, no valor de R$ 74.751,45. As despesas executadas não tiveram nenhum tipo de controle, descumprindo o artigo 70 c/c artigo 75 da Constituição Federal de 1988. (Item 3.1 do Relatório de Auditoria). (Item 8.2, I do Acórdão);

b) Irregularidade no pagamento de despesas de Prestação de Serviços no valor de R$ 4.192,50, em desobediência ao artigo 63 da Lei Federal nº 4.320/64. (Item 3.3 do Relatório de Auditoria).  (Item 8.2, II do Acórdão).

9.2.2. Irresignado com o teor da decisão, o recorrente interpôs o presente recurso, objetivando a modificação do Acórdão.

9.2.3. Da apreciação da peça vestibular, depreende-se que o gestor apontou duas linhas de defesa: na primeira (Item II da exordial), apresenta justificativa em relação à forma de como se deu o consumo de combustível julgada como irregular por este Tribunal, bem como sobre o não envio de informação ao Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS); na segunda (Item II.1 da exordial), questiona o modelo (ou a sua falta) quanto à aplicação das multas definidas no Acórdão atacado.

9.2.3.1.  Em relação à primeira linha, afirma, em resumo, o recorrente que: 

Embora o consumo de combustível não tenha sido objeto de apontamento, insta esclarecer que, (sic) o município de Darcinópolis, como é de conhecimento, localiza -se às margens da BR - 153. Todos os acidentes que ocorrem próximo ao município são atendidos pelas unidades de resgate do Município, uma vez que não possui SAMU na localidade. Com isso, às vezes a ambulância abastecia sem a requisição, MAS, (sic) OS PAGAMENTOS JAMAIS FORAM FEITOS SEM RELATÓRIO/CONTROLE DE ABASTECIMENTO, conforme demonstra vasta documentação anexa.

(...)

Contudo, em que pese a pesquisa do nobre relator, a documentação ora em anexa, entregue pelo prestador de serviço a (sic) época, comprova que, quando do pagamento havia sido feita as transmissões.

 

9.2.3.1.1. Ao se analisar os documentos acostados, verifica-se que o recorrente não trouxe nenhum elemento argumentativo novo, muito menos nenhuma prova capaz de modificar o posicionamento adotado pela 2ª Câmara deste Sodalício. O ex-gestor se limitou a utilizar do prazo para interpor recurso simplesmente para apresentar tabelas e demonstrativos internos, bem como um protocolo no SIOPS, mas sem qualquer justificativa ou apontamento de atendimento aos requisitos legais de natureza contábil.

 9.2.3.1.2. Sobre os documentos acostados em relação à despesa de combustível, é essencial que se destaque que não consta uma série de informações importantes: controle de quilometragem com números sobre quantidade de litros por quilômetro, qualquer termo de responsabilidade, as razões reais do uso dos veículos, utilizando-se apenas de frases genéricas, como “Para atender as demandas do Centro Municipal de Saúde de Darcinópolis/Secretaria Municipal de Saúde”. O recorrente apresenta uma tabela com a quantidade de quilômetros por veículo, que, pelo alto grau genérico, não constitui qualquer parâmetro para analisar a realidade dos gastos. Trata-se, realmente, de informações muito aquém do que se necessita para que haja um controle de despesas minimamente responsável e auditável.

9.2.3.1.3. Sobre a transmissão de informações ao sistema SIOPS, o recorrente somente apresenta uma tabela do Sistema na qual há a indicação de envio de dados, mas não apresenta quais foram tais dados. Sem este elemento, é impossível se inferir qual a natureza técnica do trabalho contratado. Não houve, assim como apontado no item anterior, apresentação de documentos ou qualquer tipo de prova suficiente da clara liquidação da despesa.  Por ser simplesmente uma demonstração de protocolo, não há, de igual forma, força para que a condenação do Acórdão recorrido possa ser reformada.   

9.2.3.1.4. Em relação a este primeiro momento de análise dos argumentos, o Recurso não se pugna por ser provido, pois sequer apresenta elemento que, de fato, possa levar à reforma do Acórdão atacado. O Art. 229, I do Regimento Interno deste Tribunal aponta que os fundamentos de fato são um dos pilares do Recurso Ordinário os quais, no presente caso, não trouxeram nenhum fato novo, como reconheceu o Corpo Especial de Auditores e o Ministério Público de Contas em seus respectivos pareceres. Ao tratar dos recursos nos  Processos Administrativos, os Professores Irene Hohara e Thiago Marrara[1] apontam que:

 

O conteúdo do recurso deve apresentar os fundamentos do pedido de reexame da decisão administrativa. Esses fundamentos consistem em aspectos fáticos e jurídicos capazes de demonstrar ser a decisão administrativa inoportuna (questões de mérito e razoabilidade) ou inválida (questões de legalidade). O recorrente deverá, portanto, apresentar os fatos e os fundamentos jurídicos do seu pedido, de sorte a comprovar a causalidade entre os fundamentos utilizados e o pedido de reexame, ou seja, cabe-se lhe evidenciar que o provimento do recurso administrativo lhe gerará alguma utilidade jurídica. (grifo nosso)

 

9.2.3.2. Sobre o segundo elemento do Recurso, é levantada objeção sobre a metodologia da aplicação das multas na decisão colegiada atacada. Foi trazido à lume o art.  39 da Lei Orgânica deste Sodalício no sentido de se inferir que não houve critérios ou metodologia adequada.

9.2.3.2.1. É de se ressaltar, antes de se tratar sobre tal ponto, que a prerrogativa que o Tribunal de Contas possui para aplicar multas aos jurisdicionados advém diretamente da Constituição Federal, em seu art. 71, VIII, como segue:

 

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; (grifo nosso).

 

9.2.3.2.2.  Já que o recorrente não acostou documentos suficientes, como já apontado acima, para a reforma da decisão, não há que se pleitear, num primeiro momento, a anulação da multa pois, reitere-se, não houve prova em contrário que o desabonasse.

9.2.3.2.3. O parágrafo único do Art. 39 da Lei Estadual 1.284/2001 aponta que a multa deve atender a quatro elementos, quais sejam, “gravidade da infração, a dimensão do dano, a existência de dolo ou culpa, a reincidência”. Por mais que a decisão recorrida não adote esta ordem de apresentação, o valor arbitrado está em consonância com os elementos destacados.

9.2.3.2.3.1. Em relação à gravidade, a Instrução Normativa n.2 de 2013 deste Tribunal, que estabelece os critérios de gradação de infrações para fins de julgamento, aponta, em seu Anexo II, item 10.2.3, que a postura do ex-gestor pode ser enquadrada como GRAVE, in verbis:

 

Pagamentos de parcelas contratuais ou outras despesas sem a regular liquidação (art. 63, § 2°, da Lei nº 4.320/1964; e arts. 55, § 3°, e 73 da Lei nº 8.666/1993).

 

9.2.3.2.3.2. Sobre a existência do dolo ou culpa, é preciso apontar que há, aqui, uma relação entre o direito administrativo e um elemento do direito penal. Sobre a relação entre o Direito Administrativo Sancionador e ramos afins, preceitua Fábio Medina Osório[2] que:

 

O Direito Administrativo regulatório lida com múltiplas disciplinas. Obviamente, essa natureza transdisciplinar remete à sua complexidade. Mas não é fenômeno privativo do Direito Regulatório, pois também o Direito Penal Econômico busca tutelar e direcionar comportamentos em busca do atingimento de finalidades racionais. Essas funcionalidades não afetam o elemento subjetivo do agente no tocante ao efeito aflitivo da medida. Para que uma sanção se considere como tal, ela deve conter em sua estrutura um elemento central: o efeito aflitivo, o castigo.

 

9.2.3.2.3.2.1. Desta forma, trazendo a visão do Direito Penal sobre dolo, como aponta Cezar Roberto Bittencourt, ao apresentar a Teoria Finalista de Hans Welzel, que “dolo, em sentido técnico penal, é somente a vontade de ação orientada à realização do tipo de um delito[3] (grifo nosso). Ou seja, por mais que não se possa imiscuir na mente do gestor, é possível depreender dos autos que existia a reiterada anotação das despesas de gastos com combustível, não atendendo às formalidades legais de natureza contábil, de fiscalização que envolvem a regular liquidação, configura-se, no mínimo, culpa grave ao não se buscar atender a requisitos mínimos legais de controle interno.

9.2.3.2.3.3. Sobre a reincidência, em consulta aos dados do Tribunal, através do Processo SEI nº 21003327-4, verificou-se que, apesar do ex-gestor já ter sofrido sanção anteriormente, esta foi de natureza diversa, não havendo, portanto, a configuração da reincidência.

9.2.3.2.3.4. Finalmente, sobre a dimensão do dano, como apontado no Acórdão recorrido, em seu tópico 8.6, foi imputado débito de R$ 74.751,45 ao recorrente referente à irregularidades no controle das despesas com combustível. É essencial destacar que o valor arbitrado de multa no Acórdão atacado foi muito abaixo do teto constante do caput do Art. 159 do Regimento Interno (R$ 33.963,89), sendo apenas 2,94% deste. Ainda, o valor desta sanção não é incompatível com a situação econômica do responsável, sendo que, após verificação do SICAP Atos de Pessoal, pôde-se verificar que há a real possibilidade de pagamento, como preceitua o parágrafo único do Art. 158 do Regimento Interno deste Tribunal.

9.2.3.2.4. Considerando que a aplicação de multa não é uma faculdade, mas um poder-dever deste Sodalício advindo do próprio texto constitucional, que possui força normativa; que a prática condenada é tida como grave por Instrução Normativa deste Tribunal; que houve, ao menos, culpa grave em não realizar os atos contábeis julgados ilegais no Acórdão atacado; que o fato da ocorrência, ou não, da reincidência, apesar de importante, não majorou o valor da multa, pois esta é ínfima diante do teto deste Tribunal; é que se entende pelo indeferimento do pedido de nulidade da multa, devendo-se manter o Acórdão recorrido in totum.

10. Ante o exposto, tendo em vista a fundamentação supra, com fulcro no que dispõe o §2º do art. 46 da Lei nº 1.284/2001, acompanho os pareceres exarados pelo Corpo Especial de Auditores e Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, e VOTO no sentido de que este Tribunal acate as providências abaixo relacionadas, adotando a decisão, sob a forma de Acórdão, que ora submeto ao Pleno:

10.1 Conhecer do presente Recurso Ordinário interposto pelo Sr. Isailton Lisboa dos Santos Vasconcelos em face do Acórdão nº 167/2019 – TCE/TO – 2ª Câmara, exarado no processo nº 2896/2014, publicado no Boletim Oficial nº 2285, de 09/04/2019, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade, e, no mérito, negar-lhe provimento, mantendo o aludido Acórdão por seus próprios fundamentos.

10.3. Determinar a publicação desta Decisão no Boletim Oficial deste Sodalício, nos termos do art. 27, caput, da Lei nº 1.284/2001 e do art. 341, § 3º, do RITCE/TO, para que surta os efeitos legais necessários, esclarecendo que o prazo recursal tem início com a referida publicação.

10.4. Dar conhecimento ao recorrente, por meio processual adequado, do inteiro teor da decisão, bem como ao procurador constituído nos autos.

10.5 Determinar à Secretaria do Pleno que proceda, após o trânsito em julgado da decisão, a juntada de cópia desta Decisão, assim como do Relatório e do Voto que a fundamentam, aos autos nº 2896/2014.

9.5. Determine que, após o transcurso do prazo previsto para a interposição de recurso, sejam os mesmos remetidos ao Cartório de Contas para as medidas pertinentes, em relação aos responsáveis nominados no acórdão nº 167/2019 – TCE/TO – 2ª Câmara.

 

[1] HONARA, Irene Patrícia; MARRARA, Thiago. Processo Administrativo: Lei 9.784/1999 – Comentada. São Paulo: Thomson Reuters, 2018, p. 59.

 

[2] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020, p. RB-2.4. Disponível em:

https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/107536121/v7/page/RB-2.4

[3] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1. 17. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 135.

Documento assinado eletronicamente por:
ANDRE LUIZ DE MATOS GONCALVES, CONSELHEIRO (A), em 15/09/2021 às 16:18:41
, conforme art. 18, da Instrução Normativa TCE/TO Nº 01/2012.
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